Só o cume interessa: Travessia da Serra Fina

Um dos meus maiores desafios de 2016, e que eu não imaginava fazer nem tão cedo, foi a Travessia da Serra Fina. Sempre desejei participar dessa travessia, mas a sua extrema dificuldade (é considerada a mais difícil do Brasil) me fazia falar comigo mesmo que ela não era para mim...
Serra fina e sua característica caminhada do primeiro dia
Até o dia que surgiu o assunto no meu grupo de escalada e foi marcada a travessia. Por que não ir, né? Reservei a minha vaga e comecei a ler relatos de pessoas que já tinham ido, e só corroboravam a roubada em que eu estava me metendo...

Fomos no feriadão de Tiradentes. Assim, conseguimos os 4 dias necessários para fazer essa trilha de forma 'confortável' (na falta de um termo melhor, rs). A nossa base foi a casa do Valter, que mora em Cruzeiro-SP. Saímos do Rio no dia 20 a noite, chegando lá em São Paulo de madrugada. Arrumamos as nossas mochilas, dividindo a comida e a barraca. Precisamos levar comida para 3 dias inteiros, mais o café da manhã do 4º; tivemos tapioca com nutela para o café e o bom e velho macarrão com queijo e molho de tomate para o almojanta; o lanchinho de trilha foi bisnaguinha com polenguinho e barrinha de cereal. Para espantar o frio, capuccino!

Dia 1 - 21/04/2016: Toca do Lobo ao Capim Amarelo (esticado até o Maracanã)

A van passou para nos buscar na casa do Valter às 6:00. Com um pequeno atraso, saímos em direção à Toca do Lobo, início da travessia e local da água que vai te abastecer até o final do segundo dia. Por isso, esta travessia é bem difícil, pois além dos obstáculos naturais, você precisa andar bem pesado, com água e comida.
O carrinho carregando as mochilas, frenético na estrada

A van com problemas para prosseguir na estrada
O trecho de estrada de terra que leva até o início da trilha é bem acidentado, e o 'piloto' não tinha muita experiência....resultado: tivemos que descer algumas vezes e empurrar a van para conseguir prosseguir! Fora, o carrinho que estavam com as mochilas, que não parava de balançar e correndo o risco de jogar uma delas para fora. Para completar, ainda passavam os outros carros (todos com tração) levando mais pessoas que fariam a travessaria, e ainda jogando poeira na gente... No fim, ele desistiu de continuar levando a gente e, como já estava perto, prosseguimos a pé.
A galera, super feliz, antes de iniciar a caminhada

A placa que mostra o início
O início da trilha é relativamente plano, com muita lama, até chegarmos à toca do lobo. Ali, me abasteci com 4 litros de água. DICA: Pegue água suficiente para o dia seguinte, pois existem mais 2 pontos duvidosos de água até a base da pedra da mina, que talvez não tenham água, melhor se garantir!
Início da trilha, relativamente plano e largo

A toca do lobo, fonte garantida de água do primeiro dia
Começamos a subida de verdade e agora é sem descanso até chegar ao capim amarelo. O primeiro dia é bem bonita, com a caminhada na crista da serra na maior parte do tempo, o que dá o nome à travessia. Eu senti bastante o peso da mochila e logo fiquei para trás. Foi preciso muito trabalho mental para continuar andando, mas consegui superar o esforço e cheguei ao capim amarelo, onde o resto do grupo estava descansando. 
Caminhando na crista

Mais caminhada na crista
 Devido ao feriado, não havia mais espaço disponível no capim amarelo para montarmos as barracas. Seguimos então até o Maracanã, longe dali mais uma hora. Nessa hora, o cansaço fazia cada passo ser bem dolorido, o que foi amplificado pela descida íngreme até o camping. Havia uns 'guias' guardando lugar para o grupo que vinha caminhando calmamente atrás, o que quase gerou estresse. Com jeitinho, conseguimos espaço para todas as barracas e curtimos o resto do dia, descansando, conversando e comendo, com uma bela visão da lua cheia...

O nosso acampamento no Maracanã
A lua cheia!
Dia 2 - 22/04/2016: Maracanã à Pedra da Mina

Acordamos cedo no dia seguinte para tentarmos ter mais sorte com o acampamento da pedra da mina. Havia uma lenda de que haveria água perto do maracanã, mas não achamos. Esse dia foi mais tranquilo no ritmo de caminhada, com subidas e descidas mais suaves.
Terminando uma das subidas do 2º dia, logo depois do maracanã

Vale antes de chegar na base da pedra da mina
Achamos água na base da Pedra da Mina. Pegamos água só para o meio do dia seguinte e lanchamos com tranquilidade. Comecei a subida final no meu ritmo, curtindo a paisagem e meu estado mental interno. Sem perceber, já estava no cume, sem estar esgotada como no dia anterior.

Acampamento no cume da Pedra da Mina

O nosso acampamento, um pouco abaixo do cume
O cume já estava todo ocupado com barracas. Descemos para o camping que fica um pouco abaixo, que é enorme. Pudemos escolher o local que mais agradasse. Tivemos o resto do dia para descansar e aproveitar um dos pôr-do-sol mais bonitos da minha vida. A noite foi estrelada, de lua cheia, com bastante papo e pinga mineira...
Pôr-do-sol na Pedra da Mina

O SOL
Dia 3 - 23/04/2016: Pedra da Mina ao Pico dos 3 Estados

Esse dia seria o mais difícil, tanto de navegação quanto de esforço físico. Iniciamos a descida da Pedra da Mina para o Vale do Ruah. É uma descida íngreme e que exigirá bem dos joelhos. No Vale do Ruah, a gente literalmente se perde, porque ele é tomado por capim elefante, que pode ficar mais alto que uma pessoa!
Amanhecer na Pedra da Mina
Fomos andando entre aquele capim gigante, parecendo uns suricatos na savana...kkkkk. Tomar muito cuidado para não afundar o pé nos diversos charques presentes ali. Aproveitamos ali para pegar água, que duraria até quase o final da travessia. Iniciamos a série de subidas e descidas, com alguns desvios temporários do caminho.
O Vale do Ruah
A pior parte foi atravessar os bambuzinhos, que são muitos e incomodam demais. Por isso, é importante usar calça e blusa de manga comprida. Fomos lutando contra os bambus e depois subimos o pico do três estados, que terminava numa escalaminhada.

Uma das cristas do 3º dia, logo após um dos trechos de bambuzinhos
A tensão do dia foi ter que andar num ritmo maior, pois teríamos que chegar no pico antes dos outros grupos para conseguir um lugar para montarmos as barracas. No fim, pegamos os últimos lugares possíveis para as barracas. Sorte para minha que era pequena e coube num cantinho apertado...
O cantinho que conseguimos para a minha barraca

O marco dos três estados
Esse dia estava com uma neblina densa sobre o cume. Mas no fim do dia, tivemos o pôr-do-sol mais incrível do mundo, com o céu ganhando diversos tons de vermelho e laranja, o 'céu de caramelo' como bem definiu o Alex. Mais ainda teve mais! Fomos presenteados por uma bela 'lua de sangue', gigante, vermelha, que ficou olhando pra gente um bom tempo.

O céu de caramelo
À noite, a galera resolveu esvaziar as mochilas e fizeram tudo que tinham de comida. Foi servido um belo rodízio, que incluiu até crepes de nutella e diversos tipos de macarrão...
A lua de sangue
Dia 4 - 24/04/2016: Pico dos 3 Estados ao Sítio do Pierre

Fui acordada pela galera que 'estacionou' do lado da barraca para ver o amanhecer. Com esse despertador, aproveitei para curtir os primeiros raios do sol saírem de trás das agulhas negras e as poucos iluminar as cidades de São Paulo e Minas Gerais.
O sol nascendo atrás das Agulhas Negras e Asas de Hermes 
Sem pressa, iniciamos a nossa descida. Mais uma vez, lutamos contra os bambus, sendo que um acerta o meu olho e vejo estrelas...

A galera reunida pra ver o Sol nascer
O cansaço dos 4 dias de caminha é bastante sentido, fora as muitas subidas que havia no caminho durante a descida (sei o quanto isso é paradoxal, imagina lá na hora, esgotada fisicamente e emocionalmente). De novo, o psicológico é colocado à prova, e o final nunca chegava...
A Pedra do Picú, vista na descida da Serra Fina
Por fim, depois da descida infinita, chegamos ao Sítio do Pierre. Agora, só faltava mais alguns poucos quilômetros até a estrada, onde o nosso resgate aguardava. Foi uma sensação de alívio incrível ver a van na estrada, onde pude me livrar da mochila e da bota. Esperamos o restante do grupo e fomos procurar um restaurante para almoçarmos. Depois, foi só buscar o carro em Cruzeiro e pegar a estrada de volta pra casa, com sentimento de missão cumprida e um grande desafio vencido...
Na van na volta para Cruzeiro, sujos, cansados e felizes!

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